Natal, 22/02/2014
Vem sentar-se comigo à beira do rio para fitarmos o curso
das águas turvas que compõem a vida natural, líquida e efêmera de existências
solitárias, de almas solidárias e de vidas amargas, que não rimam com nada ...
Sequer enlacemos as mãos para não desenlaçá-las com mágoas
criadas pela imaginação infectada de amor vil, de desamor viril, de
desesperanças que fazem com que os corações simplesmente batam, e não reguem as
veias da felicidade, e alimentem as dores das angústias.
Fiquemos, então, assim, vivendo de momentos que são vividos
e não embevecidos em laços de ternura ou pensamentos de candura ... Fiquemos,
simplesmente.
Deixe, porém, que a mente resistente não resista aos
encantos dos momentos vividos, que a mente sinta o que o coração não consegue
e, então, que a vida seja assim, irracionalmente racional ... que todos os
momentos poucos sejam muitos e que todos as muitas ausências sejam revestidas
de sorrisos arrancados das lembranças de estar ao lado um do outro, olhando o
nada turvo de águas passadas e de desesperanças futuras ... mas de momentos ...
muitos segundos de alegria arrancadas de beijos nas plantas dos pés, de dedos
sorvidos pelas bocas inundadas de desejos líquidos que umedecem pés e mãos
desejosos de beijos ... invejosos de beijos ...
Fiquemos assim, sorvendo um do outro os prazeres possíveis,
efêmeros ... para deixarmo-nos sós a seguir, cheios um do outro e inundados das
lembranças daqueles momentos em que as salivas das bocas embeveciam as almas
...
Talvez tudo isso deva ser dito apenas no singular, na
singularidade de apenas um – eu – mas quem se importa? Eu não me importo e você
tampouco ...
Deixe-me, então, agora singular, lembrar de ti e a cada
lembrança sentir o prazer de perceber meus lábios abrirem-se num sorriso só
meu, um sorriso singular ... um sorriso que espera por outro e outro e outro
... e todos os sorrisos permitem que os olhos vejam o mundo com cores mais
vivas, sem dores vívidas, mas sentindo os sabores da emoção vivida nos momentos
em que ambos fingiam felicidade, em que ambos sentiam felicidade de estarem
permeados de prazer, de emoção ... e ausentes de razão que, arrancada pelos
prazeres da troca de fluidos, recolhe-se para um canto inatingível da mente, um
canto obscuro ...
Ausente de razão, fico. E assim, desrazoalizado permito-me
dedilhar palavras que serão lidas por alguns, entendidas por poucos, e sentidas
apenas por mim, sem ressentimentos, sem amarguras, sem nada ...
E, ainda assim, sorrindo e dando “Bom dia!” às flores, e
adeus às dores.
Sem amores ou dores, rio, e deixo que a emoção turbine meus
poucos momentos de irracionalidade ... e sinto-me feliz em saber que, mesmo sem
ti, ainda posso olhar o rio nos momentos em que rio, sem perceber que as águas
são turvas, que há galhos mortos nas curvas ...
E espero que – um dia – você possa sentar-se comigo à beira
do riso.