quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Será amanhã, será manhã ...

Natal, 29/10/2008.

Será amanhã, daqui a pouco, que verei você novamente. Será manhã, daqui a pouco, que terei de ti o pedaço de mim que deixei aí ficar, resolverei-me em ti, como resolvera-se me mim anos atrás .... anos de telefonemas infindáveis, anos de tempos em que buscava confortar-te com minha voz tanto quanto gostaria de confortar-te com meus abraços e afagos, anos em que pensei ser possível estar em ti sem em ti estar, porque estavas em mim, mais do que deveria. E eu, não... porque você escolheu esquecer-se da minha voz, escolheu esquecer-se de minha vontade de não te esquecer ... e não me esperou ... porque sabia, você, que a espera desespera .. e, na esfera em que estavas, não desesperava mais ... não podia. E eu, podia, ou não podia e pensava que podia mesmo sem poder ... tudo bem ... passou.
Prometi a você que terminaria o que tinha de fazer e faria o que prometia que faria. Fiz ... sem ti, porque não era a ti que prometera, era a mim ... e prometia a mim o que prometi a mim em homenagem ao pedaço de ti que arranquei a beijos molhados de boca quente sem gosto de maracujá, porque você não gosta ...
Estou aqui ... onde disse-lhe que estaria, sem estar em ti como pensava que estaria .... anos passaram-se para que eu pudesse voltar a sua cidade ... voltarei ... sobrevoarei meu passado em ti sem estar preocupado mais com as palavras líquidas que trocamos em noites escuras, à beira mar .. à beira do cais, à beira do caos ....
Porque tudo passou. Passou você ... seus telefonemas .... o eu que conhecera ... tudo passou ... e agora, paz sou ...
Sou paz de um eu em mim, cujas esperanças apreendidas estão apreendidas .. e, assim paz sou.
Paz de estar feliz ao saber que a vida não carece de outros eus que não os inúmeros eus que me constituem ... Paz de estar no nordeste que sempre quis estar após querer estar em ti ... Paz em saber que ... como você disse, ninguém tem a capacidade de arrancar de mim a capacidade que tenho de sentir seja lá o que for.
Sentir a dor de estar aqui, sentir o amor de estar aqui, sentir o calor de estar aqui, sentir o rancor de não estar aqui quando o aqui é um aqui sem mim ... porque há momentos em que não estou aqui ... estou nos outros todos eus que deixei pelo caminho, a me lembrar de retrovisores umedecidos pela brisa que aqui passa ... e deixa no chão gotículas de orvalho que beijam o solo desta terra abençoada.
Só posso te dizer que, quanto a mim, o amor também passou ... passou como os aires quentes soprados por narizes embalados por palavras líquidas que calavam a minha vontade de ser só ... passou como os anos passados em aquário ... passou como os anos que passei gêmeo de meu reconvexo ... passou ...
E agora, que pasa? Nada passa .... tudo se torna o que me constitui, não passa e fica para trás como algo não quisto, não, não e não! Tudo que passa passa a ser algo modificado em um eu que sente tudo passar e não passa porque não sabe ... e não quere saber.
Estes todos passares que estão aqui a se presentificarem no presente hoje, que será passado amanhã, serão passado reformado, reformulado, reestruturado, reaproveitado, reciclado ... mas jamais rejeitado. Porque não se tem de rejeitar o que se tem da vida.
Lembro-me de ter-lhe dito o que queria dizer no momento em que disse “Eu te amo, neste momento, eu te amo” assim duplamente, ao pé de suas lágrimas choradas em estacionamentos escuros embebidos em bebida e com cheiro de cigarro e cerveja ... ambos, você e eu, sabíamos que o “neste momento” significava mais do que três palavras que circundava ... porque sabíamos que passariam as palavras nos três mil quilômetros que nos separavam, mas o “neste momento” seria eterno e jamais passaria porque era único ...
E não passou .... ficaram lá os eu-te-amos, presos naquele momento ... e nós passamos .... e reformulamo-nos para amanhã, quando for manhã ... podermos repensar o que seremos depois de depois de amanhã ... depois de olharmo-nos nos olhos e percebermos que os eu-te-amos agora têm outros destinos. O seu, não sei ... e não quero saber. O meu, sei, tem destino certo: eu mesmo. Penso, agora, que, naquele momento, dissera o que deveria. Dei-te um eu te amo para você fazer o que quiser. Dei-me o outro para eu fazer o que quiser ... dividi o meu eu-te-amo contigo .... para que ele brotasse ai em ti .... fiquei, porém, com as raízes do meu eu-te-amo .... porque eu-te-amo, aqui, é como erva daninha ... estou repleto delas ... embora só quatro mudas tenham sido doadas por essa minha existência daninha ... quero ver, amanhã, como está a sua muda do meu eu-te-amo ... mas só ver ... porque tenho minha plantação todinha aqui ... a espera de alguém que mereça uma outra muda ... até lá, estes eu-te-amos, cuja muda recebeste e que aqui cultivo, serão mudos.

sábado, 25 de outubro de 2008

Um olhar de fora, ou de dentro. Que importa?

Natal, 25/10/2008.

Saiu de todas as sacadas, de todas as lógicas ... e foi ser ser-vagem entre mármores e contentamentos ...
E contentou-se consigo e com todos as gentes que gentavam na noite quente e tórrida de amigos que se encontram em velórios de almas vivas e mortes vívidas ... sorriu. Sorriu para sentir as alegrias de abraços de muitas gentes, de gentes que se esqueciam da existência vil para se sentir gente ... quente, somente. E no calor da vida vidaram ... todos vidaram a essência de se sentir descompromissos de todos os outros e de tudo ...
No mármore negro entreolharam-se ... e não se viram.
Ficaram a pensar em outros tantos outros que se olhariam na mesma situação e se entenderiam, selvagens que queriam apenas ser vagem, pequenos fetos-caroços de um pé de feijão impúbere, sentiram-se presos e unidos pela placenta verde da árvore da vida ... não viveram ... pensaram-se enquanto a vida urinava urina mesmo ... e foi só.
Mas não acabou ... não acabou a vida que brotava daqueles momentos de vida vivida vividamente entre músicas de puts puts e puts puts de música sem nexo. Tudo bem. Nada é para ter nexo mesmo ... o som, era apenas som, baladas que embalavam a alegria de se sentir livre de quilombos antigos e de sorrisos falsos e flácidos na cara de gente que não gentava ... mas isso foi antes.
Antes de se saber consciente da vida existente na sua própria existência ... vida de abstinência de si e de outros tantos sis que se apresentavam sis únicos. Sis de parcas palavras e parcas lembranças deixadas para a posteridade ... mas agora não. Porque, após ter idade, a posteridade é o agora ... e o agora se faz suficiente para que a vida seja sentida na sua essência.
E o que é a vida? Não sabe. E você também não sabe ... nem adianta expor sua filosofia de revista Capricho tentando explicar o inexplicável ... admita que não sabe e que somente se sente você em você e ponto. Também não replique, apenas admita. E isso será o suficiente para todos os sis que se pensam ... ou não se pensam, porque penam. Simples assim.
Que importa? Não importa ... porque o que realmente importa é que há porta ... e a porta que há abre-se num leque de tantas outras portas que comportam, mas não se comportam ... porque não precisam ... e desprecisar é estar livre de obrigações imprecisas, quem delas precisa? Ninguém!
Por isso contentou-se ... contentou-se com o nada que é tudo ... e com o tudo que é nada, porque já não questiona nada. Vive apenas, e, em alguns momentos, vive a penas. Mas esses são poucos ... ainda bem.
Sua vida passara de tantas amarras adolescentes para qualquer coisa boa ... à toa, mas boa boa boa boa ... tão boa que o simples fato de não estar se preocupando com o que é boa ou à toa lhe trazia alegria ... lembrou-se, novamente, de quando festejavam os dias de seus anos e de quando era feliz e ninguém estava morto ... e lembrou-se de que também isto era passado para si ... e não sofreu.
Não sofreu porque agora, na sua vida de vagem, grão recoberto de placenta verde da vida, muitos estavam mortos ... muitos tornaram-se corpos putrefatos em túmulos marrons em uma cidadezinha interiorana ... e não ligou. Não ligou porque entendeu que a vida também passa ... como passam os amigos que vêem apenas para fazer o que têm de fazer e vão embora, como passam os amores que vêem e se vão, como um vento que passa a soprar brisas gélidas nas têmporas maduras e grisalhas ... não ligou de novo.
Entendeu que todos são efêmeros, que tudo é efêmero ... e porque efêmeros, esvaem-se. Tudo bem, pensou consigo e sorriu.
Sorriu a alegria de entender quase tudo, ou quase nada, mas entender de qualquer forma. E isso lhe bastou ... e sentiu-se reconfortado com a conclusão inconclusa a que chegou.
Estranho?
Para muitos, sim. Para poucos, sim também ... mas para pouquíssimos, não. Para esses últimos, tudo o que aqui é dito é inteligível ... ou não. Que importa?
A esses a quem o que importa não importa parabeniza porque partilha da mesma sensação, da mesma compreensão de que nada importa, embora tudo importam ...
Importam para dentro de si tudo o que lhes é exterior, decantam ... e entendem ... como entenderam-se na placenta de água salgada ... assim, simplesmente.
Não há, agora, como não há, há tempos, ilhas de si ... há muitos sis ilhados na esperança de tantos outros que espera descompromissadamente porque compromissar-se com algo que não depende dele não é mais de seu feitio. Fora outrora ... quando gentes gentavam vivas ao lado dele ... mas agora, que gentes gentam mortes mórbidas e doloridas no céu e no inferno não liga mais ... por quê?
Não sabe!
E não sabendo vai vivendo a alegria de pensar que vive .... e será que vive? Sim, vive! Se pensa que vive, vive ... e se outros pensam que não vive, são os outros que entendem a não vivência ... ele não ... e segue feliz pensando o que pensa que pensa ...
Não repensa ... e se sente feliz em não repensar ...
Não disse no início que tinha saído de todas as lógicas?
Pois é ... saiu de si para pensar-se ... e chegou a esta conclusão: ser vagem entre contentamentos é isso, entender-se complexo e sentir-se enternecido por isso ... e não entender, e admitir isso.
E isto lhe basta. O eu-coração que bate no mundo deixou de ser Clarices e Carolinas ... porque achou o que procurava ... e estava dentro de si, batendo. E pensou:
“Porra! Como não percebi antes? Estava aqui o tempo todo ... e eu a procurar ... sem desespero ... mas procurando, mesmo assim.”
E escreveu essas palavras que a poucos tocam ... porque ele é para poucos ...
(Este sou eu olhando para mim, de dentro para fora ... ou de fora para dentro ...
Só resta saber se de dentro de mim para fora, se de fora de mim para dentro de mim mesmo, ou se de dentro de ti para mim .... ou de fora de ti para dentro de ti ... ou de nós ...
Que importa?)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Na placenta de água salgada ...

Natal, 24/10/2008.

Estou aqui, de novo, minha metade que se dá para você. Eu sou eu, aqui, posto, escrito, descrito, proscrito ... eu ... mas o eu que aqui está não sou eu para você ... porque para você eu jamais serei o que eu sou para mim, aqui. Aqui, você deve ler a mim e a você, junções de eus dispares que se associam numa significação única: a sua.
Não me encontrarás aqui, porque o que encontras aqui sou eu dito, eu expresso ... e tudo isso é o que é se você colocar a sua parte de você em mim ... neste eu que te desafia a saber quem sou ... jamais saberá. Desista.
E eu também não saberei quem é você. Não me importo. Saberei apenas o que é o meu você, que construo a passos largos largados na areia que adentram o mar ... e recolho das inferências que faço das marcas deixadas na areia por você .... que, também, adentram o mar ...
No mar, pegadas líquidas e salgadas se unem a Janaina para se compreenderem sem querer se compreender ... subsistem na placenta de água com sal que fecunda os eus-fetos os eus e tus fetais que renascem na simbiose do conhecer .... e desconhecer ... e imaginar que conhecem-se ...
Renascem sais. Tais. Vitais ... e para os outros todos, vitrais... porque todos os outros verão caleidocopicamente o que ambos, você e eu, vemos nitidamente ... ou pensamos que vemos nitidamente, mas se pensamos que vemos nitidamente, vemos, não é assim?
Sim ... é assim ... então por que querer saber quem sou eu exatamente se o que serei é apenas o que você consegue enxergar em mim? Não precisa saber quem sou, sou o que queres que eu seja sem sê-lo .... mas sou, porque você assim o quer ...
Eu, por mim, sou eu mesmo.
Você, por você, é você mesmo ... e vamos sendo os eus nossos e os eus intercalados de nós que se fazem em duetos simbióticos, semióticos ... neuróticos ...
Somos, todos, pedaços arrancados dos outros eus que pululam em nossas vidas, somos complexos ... e desconexos do outro porque convexos ....
Não pense que não te entendo. Não pense que não acredito em ti. Essas são as suas dúvidas, não as minhas ... eu estou acreditando naquilo que leio de ti .. e me conforto com isso, me reconforto com isso, me conformo com isso ... não sou seus quereres ou seus deveres ou seus fazeres ... sou eus quereres, eus deveres e eus fazeres sobre os vocês que você me apresenta .. e só.
E isto basta. E não deves agradecer-me por estar contigo sem estar, porque não estou contigo por ti, estou por mim ... e, se isso é difícil de compreender, não compreenda ... não repreenda ... não, não, não ...
Aceite. Mesmo que isto lhe pareça um açoite!
Perceba ... como percebi na vida vivida vividamente em mim ... que as ratificações são desnecessárias quando a percepção do outro é inteira (e do outro). Não confunda os seus poucos momentos de insegurança com a insegurança do outro.
O outro, por si, é apenas um pedaço de outros tantos outros que já se fizeram outros presentes em momentos outros ... deixe-os ... pedaços e outro, porque precisam-se despedaçados ...
Não pense que o outro será outro que não ele mesmo ... não será ... e poderá trazer sofrimento ... que venha o sofrimento ... e prove que seremos sempre outros sofridos, cujos sofrimentos revelam nossos outros eus, os eus dos outros.
Enquanto os nossos eus ... fluidificam-se na água salgada da placenda de Odoiá ... para serem apenas eus de nós mesmos ... somos eus dos outros, e nossos ao mesmo tempo.
... e esperam o tempo que bate na porta da frente e se rói com inveja de nós, porque sabe, o tempo, passar ... e nós, não ... porque quem vem para a beira do mar, nunca mais quer voltar .... nem para buscar os momentos que junto dele não viveu ... porque viveremos todos os momentos que quisermos ... e se não vivermos, é porque não os teremos querido.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

É doce nascer no mar ...

Natal, 23/10/2008.

Depois de tantos eus, um pouco de outros, eus externos. Viver é assimilar as palavras que entram em nós e passam a nos compor, recompor, decompor. Estar passa a ser uma palavra constante em quem descobre que estando, está. E vamos todos estando o que está restando ... vivemos e revivemos os conceitos dos quais estivemos longe, dos quais nos afastamos e dos quais extraímos nossa essência.
Lembro-me de tempos em que a amargura era algo que estava sempre ao meu lado, em que a vida olhava-me de soslaio e deixava-me a sua margem. Assim, duplamente compreensível, estar a sua margem ou receber da vida, não sua essência, mas apenas a sua margem.
Tudo isso passou.
Passou com os cabelos brancos que chegaram, passou com os quelomas que se somaram a mim e que me fazem quelomas vivos de um eu quelomado. A vida foi, em alguns momentos, quilombo. Um quilombo em que me reclui para não sentir a presença dos capatazes que rondavam minha liberdade negra.
E isso passou.
Passou como passam todas as coisas, como passam os pássaros feridos, como passam as feridas. E eu, então, passei a estar.
Estar livre dos medos dos capatazes, estar livre das descompreensões ou recriminações da negritude de minha essência, estar livre de estar livre ... restou o que me resta, eus intercalados de mar, eus cercados de mar ... aqui.
Mudar-me para esta cidade mudou-me ... trouxe comigo o que sempre quis ter e aqui perdi para recobrar um eu que é parte do que quis e parte do que quiseram que quisesse ... eus completos de si.
Ponto.
Agora, é estabelecer as poucas outras coisas que ainda faltam nas faltas que sinto. É ter comigo e com os outros migos que se somam a mim e sentir todos os eus em mim mesmo. Já estou neste patamar ... e até aqui, o mar é o fim das patas ... lanço minhas patas na areia fina que recobre a margem para ver minhas patas adentrarem o mar ... e ser selvagem marinho. Não espero mais acontecimentos ... eles acontecem, assim, por si ... como se soubessem que deles precisava para poder entender o ser estranho que habita todos os seres entranhos da existência humana. Aqui estou eu mesmo.
Neste exato momento parece que nada sobrou ou foi pouco, parece que tudo foi a exata medida da necessidade sobre a qual qualquer conhecimento profundo era ignorado. Os desesperos que compuseram a existência minha tornaram-se essenciais para que este eu pudese estar agora estando aqui contigo que me lê. E que lê a si, nos interstícios de você e de mim ...
São essas as palavras que ascartasquevocenuncaescreveuparamim precisavam expressar ... essas palavras que dizem que os elementos da vida são da vida e ponto, sem tergiversações ... ler as palavras azuis ditas sem mais intimidade foi mais reconfortante do que receber flores no dia do velório ... porque percebi marcas de esperanças azuis na vida negra do quilombo ... e intercalei nos significados outros significados, antes percebidos, agora perseguidos ... sem desespero.
Já tenho dito aqui que desespero. É verdade. Desespero porque faço minha parte para que o que espero seja aqui deixado pelo destino que sopra brisa quente por narizes diversos e derrama palavras líquidas por bocas ainda mais diversas ... bocas que se apresentam com ou sem esperança, mas apresentam-se de qualquer forma. Estão lá e a cá se achegam para derramar minutos líquidos de afeição e de esperança ... para tergiversar depois. Não ligo ... ou ligo e não percebo que ligo. Mas se não percebo, é porque não ligo mesmo, então, vou estando sem ligar ou ligando sem estar .... e daí?
Só sei que foi assim ...
Renasci em voltar a ir ao cinema como fazia no quilombo ... e não estava mais no quilombo .... que bom. O quilombo tornou-se em mim Dubá natalense do nordeste. E eu estava lá ...na transformação, na transcendência ... na essência ... e nem ligo para sua origem sal dita. Ouço sais e transformo-os em mel (às vezes com agrião para dar um amarguinho e sarar a garganta que devolverá não mais sais salgados, mas sais calmantes de banhos de boticário ...) e em mel nado.
Nadar no mel, melnadar ... assim, feliz com os poucos amigos que terei em meu velório e com as muitas bocas que se encontram liquidamente com os sais boticários ...
Imediatamente, nesses momentos, arranco a grinalda de hera para que os cabelos possam sentir brisa quente ou fria soprada de qualquer lugar ... não importa mais ... simplesmente porque o que me comporta são portas abertas à brisa que sopra e adentra as minhas entranhas estranhas a tudo que não lhe é intrínseco ... a tudo que lhe é extrínseco ... até que adentre e se torne, naturalmente, intrínseco ... mas não seco ...
Ao contrário ...úmido... tórrido ...
E assim vou estando em mar ... mar de inúmeros eus parte ilhados, de eus partilhados, de eus nossos ... meus e teus ...
E o que resta?
Resta ser capaz de olhar pela fresta e sentir a brisa ... de dentro, porque sou portas abertas às brisas externas. Não sou quarto fechado.
Sou varanda,
alpendre ... em que se tem todas as coisas boas: a casa adentro, próxima, repleta de portas a serem invadidas – que mantenho abertas – e que recebe toda a externidade eterna, todas as brisas quentes e frias sopradas por narizes os mais diversos e que a todo instante é molhada por palavras líquidas derramadas por bocas que vou recolhendo pelo caminho.
Sou aberto, por certo ... e te espero livre ... livre varanda à beira mar, que renasce a cada tempestade, porque renascer é a essência do meu ser ... que pode estar seu.
Ou não.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Dos discos riscados, dos riscos discados ...

Natal, 22/10/2008.

Os ensaios sobre a cegueira trouxeram um abismo ... abismei. Estou acostumado a estar à beira do abismo, mas não tinha percebido sua imensa vaguidão, seu incomensurável poder de me fazer sentir eu mesmo sem mim. Foi assim. Por segundos suas palavras disseram-me que eu não devia ser eu se quisesse ser o que eu quero ser de mim ... emmimmei-me. Lembrei-me de que vira todas as coisas e me maravilhara de tudo, mas que tudo sobrara ou fora pouco .. e eu sofrera. Sofrera para ser o eu que sou em mim, e de quem gosto.
No mesmo instante resolvi que emimmesmo estava o que me fazia eu. Refleti ... enquanto ouvia suas palavras de si, reconhecia-me em um si seu e meu. Emmimmesmamo-nos, acho ...
Entrei no carro para ouvir um refrão que tenho ouvido desde que aires esquisitos confiáveis sopraram brisa fria ... and the hardest part is letting go, not taking part ... that IS the hardest part ... mas é preciso. É preciso e preciso, correto, certo ... e eu preciso.
Preciso manter-me como me construí, assim, preciso como sou. Aliás, não preciso. Sou, simplesmente. Já está incrustado em mim ... já sou eu ...
... que bom ...
sorri um sorriso de 120 km por hora ao ver que Janaina brincava de noite na praia ... sofri ao ver que nem todos conseguiam sorrir a 120, e que precisavam dos seus 80 permitidos ... para sofrer seus sofrimentos por vias costeiras ... ponto.
Revesti-me de mim e tornei-me o mim que os outros queriam de mim ... uma pergunta me volta para um mim só meu ... uma afirmação remete-me ao outro mim de mim ... seriedade não combina contigo .... ouvi.
Por um segundo me repercebi: transparente ... imediatamente transplantei-me para o mim dos outros ... brinquei ... esqueci o mim de mim mesmo ... e, ainda assim, eu era eu ... porque sou eus ... tus ... eles ... nós ... eus que confrontam-se para convergirem-se para si ... e dão nós em vários eus.
Pronto. Subi escadas e perguntei por ela ... ela estava lá ... em si. Chamei-a para o nós ... não ecoou ... entendi ... e fui ser eu mesmo em mim ... de novo.
Em casa, mais eus ... eus que pululam na tela do computador, eus que ficam falando bobagens, eus que querem saber do meu pau, eus eus eus ... todos eus que buscam seus eus ... esqueço-os ... e brinco com todos os eus mesmo assim ... porque quero-os seus e meus ... ateus ... proteus ...
Em meio a tantos eus ateus, alguns eus meus ... uma prosa de mim mesmo que eu mesmo não entendia .... mas que entedia ... entediei, então.
... esqueço dos riscos na tela ... disco para o seu eu para ouvir um pouco de eu mesmo na voz de ela mesma, ouvi um eu com sono ... e digo ... bem ... se você não quisesse falar ... não atenderia ... mas eu estava com saudade desse eu aí .... vinte cigarros depois ... aidê ... que bom .... você está você está você de novo comigo ... me lembro do coldplay que aires esquisitos confiáveis me fizeram, sem querer, entender .... misturo tudo para ver você Yellow ... e canto
Look at the stars,
Look how they shine for you,
And everything you do,
Yeah they were all yellow
… e vejo o anagrama …. e adoro poder saber que você Lady, pode lay aqui ... porque estou aqui eu você em mim ... e redescubro que posso me re-sentir sem me ressentir .... e sinto que não doei-me a ti, você roubou-se a mim ... roubamo-nos um do outro para sermos o par que somos agora e que seremos por um tempo até que outro par se torne par de nós e nos departiremos .... porque as pessoas passam pela vida da gente, fazem o que têm de fazer ... e vão embora ... assim ... simples .... já entendemos você e eu isso ... e não nos desesperamos com isso ... esperamos por isso ... porque sabemos que somos eus complexos, conexos, convexos e reconvexos .... somos nexos ... e os pedaços de nós que temos em cada um de nós são de nós mesmos ... assim ... simples como não somos.
Assim, riscamos todososdiscosqueouvi-mos e nos ouvimos a cada risco riscado de nós ... porque nos arriscamos sermos nós mesmos ...
Eu estou eu, você está você, mas não somos mais os mesmos ... mas mesmo assim temo-nos ... sem temer ... ou tremer ... porque não temos tempo para perder com outros eus que não os eus de nós mesmos ...

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Não chove lá fora ... e aqui ... bem ... aqui, acontecimentos ...

Natal, 21/10/2008.

Está frio. Frio o ar que respiro, frio o olhar que lanço aos outros, frio o eu que existe em mim. Aqueço o ar que respiro com fumaça de cigarro, encubro o olhar lânguido sobre o mundo com os óculos de sol, esquento o eu que existe frio em mim com abraços dos amigos que verei em meu velório. E espero.
Não busco, como já disse, encontrar nada. Sou Carolina natalense para quem a procura por si só já é o que quer achar ... e acho ... e acho ... e acho ...
Mas não me acham a mim mesmo. Acham pedaços de mim, fagulhas de um eu que esperou um futuro que não veio, que ansiou uma saudade que tornou-se saudade mesmo e não se deu ao luxo de esperar passar a saudade do futuro, porque o futuro chegou e tornou-se hoje.
Não espero. Desespero. E desesperando vou seguindo os desencontros de mim. Na beira do abismo, brisa fria e palavras desconexas, palavras que se desnudam para si mesmas e se tornam signos de si, represadas em sua significação mórbida.
E eu?
Desespero de novo. E desesperando vou desencontrando todos e tudo. Desencontrando vou encontrando o caminho que traço na minha existência plena de mim. Sou todo eu mesmo.
Há tempos deixei de caminhar à beira da praia ... há tempos deixei de ir à praia ... há tempos deixei de encontrar ... há tempos desencontro ... sopraram, neste caminho, aries de esperança ... foram-se e deixaram-se aqui como resquícios de uma vida amortecida pela vontade de viver ...
Não levaram, em sua saída, pedaços de mim ... não tenho mais pedaços para serem levados ... colei-os em mim e de mim não mais se desprendem ... sou pedaços inteiros de eu mesmo ... pedaços colados e cicatrizados como fragmentos de dores exauridas na esperança de viver ... e vivo... ainda que este viver seja visto como vida vadia, vadio a vida que vivo para viver uma percepção de mim ... para entender a mim.
No divã resolvi-me há tempos ... sentei e chorei. Não adiantou. Corri, não adiantou. Parei, não adiantou. Vivo, então, sem paradas, sem correrias, sem sentar, sem chorar ... caminho a passos largos na existência, onde largo meus passos .... meus descompassos ... meus espaços ... meus espasmos.
O tempo urge e urge pensar que a urgência do tempo pode levar o pouco que sobra de alegria ... não ... não permitirei que a vida me roube seu sabor ... meu sabor ... e meu dissabor.
De dissabores refaço-me novo eu-coração que passa a largos passos largados ... Nos pedaços de eu-coração, eu mesmo. E chega ...
Aqui subsisto na felicidade de saber que posso re-sentir sem me ressentir ... de saber que habita em mim a capacidade de querer ao outro tão bem quanto a mim mesmo sem culpas ou abnegações, ou juras, ou promessas e sem querer que o meu querer seja querido como quero ... é meu o querer ... não é seu o querer ... e ao querer o que quero, quero que você queira o que quiser ... porque simplesmente quero, não anseio ... não vilipendio você em respeito a mim ...
Assim também é minha vida em mim ... não me permito vilipendiar o eu-coração porque se o fizer, perderei a mim mesmo, não é a ti que perco quando perco a honestidade librianamente pensada que em mim habita desde os tempos mais remotos ... não ... não perco a ti porque não possuo esse ti ... e jamais quis possuir ...
Sinto-me então gratificado por entender a mim mesmo como um eu completo de mim. E enterneço-me ao pensar que aries esquisitos confiáveis rondam a superfície e lá ficam ... refrescam as têmporas grisalhas e refletem nos óculos que escondem os olhares frios um fragmento de alegria ... e só.
E basta.
Basta que eu me sinta assim .. para entender que não me prostituo nos braços que encontro pelo caminho. Dôo-me ... e vou doando os pedaços de mim para sentir eu mesmo feliz. Para lembrar, mesmo por pequenos momentos, o quanto é bom saber que meu calor é caloroso aos seres que pululam em minha vida ... e ali mesmo reconheço minha capacidade de alegrar, de cuidar, de festejar, de brincar, de sorrir ... e ver-me refletindo em corpos outros tantos com quem divido-me ... até que chegue um momento em que se eternize ... que perdure mais do que dois ou três gozos e vinte cinco afagos ... mais do que oitenta e dois beijos dados no espaço de sete horas ... mais do que o sorriso dado num banho com sabonete de criança ... mais do que na brincadeira entre a água quente ou fria do chuveiro ... mais do que os gritos dos nos intervalos de insanidade do sexo ... mais do que ... mais do que ...
... assim te espero ... sem perder um momento sequer da vida que me resta ... não tenha pressa ... enquanto não há um você, vou vivendo com todos os vocês que você permitiu estarem você em mim ... porque você não está aqui.
Mas eu estou ...
e quando você chegar, seremos apenas eu, você ... e o nosso passado, no passado ... porque também não quero saber o seu presente, o seu agora, porque agora, você ainda não chegou ... e quando chegar ... traga seu passado consigo ... não o negue, não o apague ... porque vou te querer como serás, no futuro ... e você só será você no futuro porque vive, agora, o que recordaremos no nosso futuro, mas não recobraremos o que fomos ... nos apaixonaremos por nós, compostos de cicatrizes passadas ... e de perspectivas futuras, nossas perspectivas ... e seremos, também, passado de nós mesmos um dia ... mas isso será no futuro do futuro ... te espero, sem desespero ... quem quer que seja você, que agora ainda se constrói ...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Já tenho os amigos que quero em meu velório ...

Natal, 15/10/2008.

Na realidade, as palavras líquidas solidificaram-se com a brisa fria que falaram os narizes ... os retrovisores avistaram a alegria do eu-coração deixadas para trás ... à frente, a vida viva friando em mim ... friei... agora é arrancar a última folha do mata-borrão e vislumbrá-lo límpido, vazio de eus parte ilhados ... a ilha solidão volta-se para seu oceano de eus eu-mesmo e em mim solidifico o coração que estava amolecendo pela brisa quente.
Ainda tem brisa, é certo, mas sobrou apenas o sal mar .... o sol mar e o lua mar esvaeceram-se com as pretas palavras sólidas na tela branca na proposta de amizade ...
Sim ... amizade ... mas a brisa quente soprada pela pele das amizades não amolecem o coração, não deste jeito. Decido, então, não morrer coração aos poucos com a esperança de ois de bares e abraços fraternos ... fujo.
E fugir é um respeito a mim ... respeito-me acima de tudo e aos outros, contudo.
Ainda estou no momento de perceber quais coisas serão recolocadas em seus lugares devidos porque as baguncei sob o calor da brisa quente e das palavras líquidas ... enxugo do chão as palavras líquidas, ligo o aquecedor para aquecer a brisa fria que sopra a casa e a alma, a carne e as entranhas de mim ...
Desenlacemos as mãos ... vou, novamente, como Lídia, ter ao rio ... Iemanjá não merece ver-me como estou agora, não! Por certo ela me afagará amanhã, salgarei minha carne em suas águas ... vou ter com Janaina ... vou ter com minha inseparável solidão uma prosa sobre nós dois ... estamos numa relação de interstícios, eu e a solidão ... talvez Odoiá tenha algumas respostas para esta mente perturbada pela brisa fria, pelas palavras sólidas, pela realidade que insiste em bater à porta e deixar o sentimento passar com o coração que bate no mundo.
Bato-me.
E olho pela janela a vida apagada ... o jardim apagado ... levanto-me ... caminho pela casa ... encontro a tomada que dá luz ao jardim ... observo-o pela janela ...
Lá fora, o pequeno coqueiro balança preto no muro branco e desenha a esperança de uma solidão alegre .... As folhas desenham uma boca de dor ... que grita palavras ininteligíveis .... um cisne branco de barro assiste a tudo impassível ...
... eu assisto a tudo impassível ... estou, ainda, inerte ... hirto, por certo, mas inerte ...
Chamo para acompanhar a mim e a solidão uma taça de vinho .... converso com ela palavras secas, vermelhas, quase negras ... na boca, a sensação de solidão é amortecida pelo álcool vermelho das uvas amassadas ...
Olho para o corredor .... quem está lá? A solidão amortecida pelo álcool ... saiu de minhas narinas que não conversam mais brisa quente e apenas murmuram secas vermelhas palavras ...
Penso: solidão .... estou de volta ... venha ter comigo, como temos tido um ao outro nesses últimos tempos ... venha ... estou, de novo, pronto para ti.
E ela vem ... somos simbióticos ... nos entendemos ...
Começamos a conversar, relembramos nossos momentos de separação .... partilhamos nossas palavras secas com a taça e com o cigarro que assistem a tudo sobre a mesa. Ela, bêbada de uvas vermelhas amassadas, ele cochilando no cinzeiro cheio ... e me lembro que os ombos suportam o mundo ... enquanto assistimos, os quatro, a verdade de Drummond bater à porta e gritar que ...
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
... mas me lembro, também, que aqui, em Natal, chove à bessa!
E espero ... espero ... espero ... espero ... espero .....
Consciente de que palavras líquidas inundarão o coração árido para que nele brotem novos coqueiros que balançarão com a força de nova brisa quente ....
... e não estou com pressa, porque já tenho os amigos que quero em meu velório.

Saudade do futuro

Natal, 14/10/2008.

Saudade é um sentimento estranho, esquisito, estapafúrdio, esdrúxulo, esqualquercoisa. É saudade e ponto. Definir o que se sente ao sentir saudade é pensar que se está longe aquilo que se quer perto ... é olhar para o passado e querê-lo de volta ... é é é ...
Mas estou sentindo uma saudade minha, uma saudade de um futuro pensado, desejado, almejado, alvejado ... é ... alvejado. É isso.
Não estou com saudade de ouvir os narizes conversando brisa quente, não tenho saudade das palavras líquidas, não tenho saudade dos toques. Não, não tenho. Quero-os, apenas. E me conforto com o meu querê-los. Tenho é saudade do que passei a sonhar quando percebi que os aries sopravam esperança ... quando percebi que a solidão estava sorrindo para mim um adeus de alegria ... quando notei que o coração não estava morto .. e quando percebi que quando vim a ter esperança, eu ainda sabia ter esperança ...
Percebi, também, que os aries sopravam mãos enlaçadas fugitivas do céu ... livres a brincar na água das nuvens antes de cair na terra e perceberem que tocavam a realidade ... realidade que foi real por 4 meses, 3 semanas e 2 dias que duraram a realidade de 113 minutos. Cada um dos quais em que se percebia que
Hoje,
Estar
Livre
Implica
Osmose ... e isso não é uma contradição ... é uma contração ... enlacemos as mãos na realidade então ... na realidade que pode ser raridade, sanidade ... e percorrer a idade.
Nesta cidade, não vamos fazer como Lídia à beira do rio, que vai ter ao mar, e nos deixar ouvir que
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos ...
... simplesmente porque não vamos ter-nos ao rio, teremo-nos ao mar, adiante ... onde tudo é sal e brisa, sol e brisa, lua e brisa e os aries sopram brisas quentes em meio a palavras líquidas.
Não vou, eu, de cá, tergiversar ... não, não vou.
Não tergiverso há tempos, porque aprendi a vida viva vivendo em mim ... e na solidão compartilhada que me acompanha ... apreendi ambas, ambas, vida e solidão, contenho-as em mim, assim, pleonasticamente expressas em um ser solidão-viva, que vive-solidão ... e espera, dormindo espera, com uma grinalda de hera.
E ... se antes era ignorado, hoje, sem saber que intuito tem, rompeu o caminho fadado e, pelo processo divino que faz existir a estrada, trouxe aries de saudade ... saudade de um futuro que bate à porta, com o vento que sabe passar ... e me deixa a sensação de que eu, não, não sei passar, porque, ao passar, passa comigo meu coração que bate no mundo. Passamos juntos, sempre. Carrego-o em mim. Somos um eu-coração. E enquanto existir a união eu-coração, existirá vidavivavivendoemmim, que é mais vida quando, por osmose, sinto aries a soprar brisa quente, devo confessar.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Descompassos e lapsos relapsos

Natal, 13/10/2008

Mergulhado no coração batendo no mundo, mundei. E com todas as coisas mundanas esperei que o mundo enxergasse esse coração que nele batia. Ofereceu-me, o mundo, um mundo de coisas para bater. Braços coxas pernas pés mãos bocas. Ocas! Parei então para apreciar todas as coisas mundanas dadas pelo mundo imundo. Imundei. Pisei na areia fofa umedecida pela garoa que presenteou o sábado. Sabadei.
Senti as emoções que são sentidas na carne. E, entre braços coxas pernas pés mãos bocas, carnei. Não me preocupei de mim, ocupei de mim, ocuparam-se de mim.
E eu deixei.
Gostei.
Gozei ... e só.
Carnado, fui ver a vida por um outro prisma. Encontrei amigos que amigaram,
encontrei bêbados que bebaram,
encontrei gentes que gentaram
... gentei também.
Até perceber que havia gente que gentava só comigo. Todas as gentes não eram gentes exceto eu ... e a gente. Gentamos, então.
Antes de tudo, palavras, palavras que procuravam entender o porquê de se querer gentar junto, gentar a dois ... palavras que fizeram a gente se sentir gente. Foi isso.
Getamos, gentamos, gentamos ... as palavras mostraram as almas da gente ... a calma da gente. E sorrimos. As palavras tornaram-se líquidas, trocamos nossas líquidas palavras em embalagens de abraço, enquanto os narizes conversavam brisa quente ...
palavras líquidas se misturavam em nós ... estávamos em nós ... liquefeitos ...
Perdemo-nos no tempo e no tempo perdido nos encontramos almas perfumadas ...
Brisa quente, palavras líquidas e almas perfumadas recobraram a esperança de ver a solidão ser parte ilhada ...
Ilharemo-nos, conosco.
Isso.
Tudo é dito num plural de mim mesmo, sei. Não posso dizer que as ilhas de eus que estão arquipelagando-se em mim mesmo são, também, suas ilhotas se juntando num delta. Não posso ... ainda.
Mas como tudo que é dito aqui é dito em mim, digo-te. Digo-me. Poderei. E se não puder, poderei assim mesmo.
Voltei a sentir a vontade de ter as palavras líquidas na minha boca, voltei a sentir a vontade de sentir o perfume daquela alma perfumada juntando-se a minha, voltei a ter vontade de deixar os narizes conversarem brisa quente.
Estou vivo, em mim.
E vivo, conosco.

domingo, 5 de outubro de 2008

Clarices

Natal, 05/10/2008.

É ... você pode estar pensando que sou pedante. Acertou. Preciso escurecer minha alma límpida com as cores que o mundo quer: rudes. Nada de tons pastéis para sobreviver à escuridão que a vida me obriga a entrar. Simples assim. Sem dor, apenas reconhecimento.
que minha solidão me sirva de companhia
que eu tenha a coragem de me enfrentar
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo
Foi o que disse Clarice, certa, como sempre esteve. Estar pleno de tudo é o que sustenta o meu pleno viver e me enfrentar é a forma que encontrei de enfrentar os outros que me querem em frente. Sigo sem rumo no rumo da subsistência. E sofro pouco, mesmo que o pouco seja demais para mim.
Há tempos a solidão não dói, conforta. Estar só tornou-se uma forma de sentir-me completo, repleto de mim por todos os lados, ilhado em mim mesmo e respirando o ar puro da vida escura. Vivo, pleno. Saber disto é entender e compreender que o nada é tudo, e o tudo é o nada e que eu nado em tudo e em tudo, nada. Que nada!
Em tudo, tudo.
Acordo todas as manhãs para descobrir que estou feliz, que fiz o que quis de minha vida e tornei-me eu em mim, comigo, certo e incerto, mas eu mesmo.
Assim, enfrentei-me e reconheci em mim um porto. Um porto seguro que conforta a si e a outros na vida escura que assola todos os nós de nós mesmos. Somos escuros, obtusos.
Nada é preciso dizer para nós quando sabemos disto. Nada precisamos cobrar de nós mesmos quando descobrimos que nos cobrar é usurpar nossa própria capacidade de sermos o que queremos ser. Basta que os outros o façam. Deixe-os ocuparem-se de mim e ficarem a pensar quem sou eu. Não sou, estou. E isto me basta.
Saber ficar com o nada, como queria Clarice, é saber reconhecer em si o vazio de uma existência plena. É entender que a vida é isso, e é nem pouco nem demais para mim. É vida, apenas.
Voltar atrás e
Irritar-se com a
Dor sentida não
Adianta, atrasa, arrasa...
... não me esqueço mais de mim, não sinto saudade dos anos em que festejavam o dia dos meus anos, não sinto saudade de um eu morto a tapas e pontapés. Não, não sinto.
Não sinto vontade de voltar atrás, de consertar, quero é concertar ... e ouvir o barulho de minha sinfonia tendo o mar como companhia... e ele está logo ali. Perto de mim, em mim. E eu sei disso.
Quando me lembro da tristeza que trouxe-me a solidão, regozijo-me. Não, não estou louco! Regozijo-me por ter tido o prazer de sentir a dor e entender que dela precisava para estar aqui agora, estar assim agora, e não sentir a dor de outrora. Mesmo sabendo que e outrora eu era de aqui, não me sinto regresso ou estrangeiro, me sinto egresso. Egresso de mim.
Assim, como tudo, simples. Ponto.
Redescobri-me em mim, redescobri um eu que eu queria eu. E fico feliz. Recobro pedaços mortos de mim e não oro por eles, não os ignoro também. Apenas recobro. E não cobro. E assim vou seguindo o meu rumo, o rumo do qual extraio forças para a subsistência e no qual subsisto ... e insisto em arrancar os cistos, em extrair de mim os amálgamas e quelomas de um eu ilhado, cercado de outros eus. Aperto cada furúnculo até que jorre apenas o sangue vermelho, sem o pus amarelo. Espero, tranqüilamente, a cicatrização e sigo em frente, não mais inerte, mas hirto e em passos largos e, a cada passo, redescubro-me.
Sou, como Clarice, um coração batendo no mundo.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Coaxou ... e foi-se.

Natal, 30/09/2008.

A gestação foi breve, seis dias. O girino em segundos transformou-se num enorme sapo a coaxar pela casa toda. Coaxava na sala, no quarto, na cozinha, no carro, na rua... saia da casa para invadir o coração, a alma e tornar tudo um brejo cheio de lama ... e de coaxos. O som barulhento e sem sentido acabou por arrefecer qualquer sinal de vida deste gestante em recuperação ... recuperação do susto, do sopro na vida ... era o próprio lobo mal a assoprar e assoprar a casa dos três sapinhos coaxantes ... derrubou as palhas, derrubou as madeiras e deixou os tijolos abalados ...
... era o momento de a vida fazer eco e, no eco da vida, a ida .... adeus.
Sinceridade na tela do celular: “Não sei ... mas não senti como pensei .... Não posso negar que estava mais empolgado. Me desculpe. Sejamos amigos”
- Por que isso? (a pergunta veio celularmente)
- Desencantei.
- Estou acostumando-me com decepções ...
- Pense que desta vez foi, pelo menos, com honestidade.
E foi assim ... os coaxos deram trégua ... a solidão sorriu e disse que não tinha me abandonado .. estava lá, à espreita, esperta como sempre.
À noite, justamenteumalindaintransitivaamiganuncaausente com sua solidão própria, se junta a mim, com minha solidão própria. Éramos quatro ... e fomos para a vida solteirar e ver que solteirando estamos inteiros, apesar de solteiros.
Terra, o caminho era de terra .... e o som, de cafuçu. Tudo bem, estávamos os quatro cafuçando a vida mesmo ... cafuçamos solteiros e inteiros .... ninguém conseguiu quietar ou apagar o facho ... cafuçar é ter quase a certeza de que o facho não se apaga .... e a cerveja era sol ... e queríamos lua ao luar, nuas ao luar ... na verdade cafuçar foi quase uma imposição ... fomos no impulso, mas apenas nós quatro tivemos pulso para cafuçar como proposto.
Ficamos ... o dia queria clarear ... e a gente queria que aquela noite fosse o nosso dia. Não foi... mas o dia foi de nós quatro ... de falar da gente ... de gentar ... gentamos os dois (ou melhor, os quatro) e ficamos com a impressão de que tudo estava bem. Separamo-nos. Foram dois pra lá, dois pra cá .... solteirar.
A solidão garlhalou, quase zombou de mim ... ms ela é companheira, brinca de brincar comigo, nos entendemos.
Enrolei-me em seus braços ... sorrimos .... ambos, solidão e eu. Queríamos um terceiro elemento, um facho de luz ... com o qual pudéssemos solteirar. Falei: solidão, vou só ... deixei-a ... e solteirei por um segundo .... ( e olha que estou falando de um segundo mesmo!)
Separei-me da pressa e voltei meus olhos para o certo que é incerto, que faz certo dentro da incerteza da vida ... fui ...
Marcamos no mesmo lugar. Fizemos as mesmas coisas, duplamente.
Saciados, os três: solidão, eu e a incerteza certa, voltamos cada qual para sua vida .... uma vida de cada e de qual ... todos os quais e cadas na vida solteira, vida de solteirices.
Sempre que penso no
Ontem, lembro-me da
Lamúria que é ficar a pensar
Tanto nas coisas
Eternas por um segundo, por um minuto, mas eternas
Internamente e sobre as quais
Raramente se pensa em
Acompanhar para todo o sempre,
Raramente se quer para todo o sempre como companhia.
... não importa. O eterno deve ser eterno, deve ser éter na mente para o sempre de um segundo. Deve ser tudo no nada da vida .. e tem-se de reconhecer que a ida é imprescindível para o movimento cíclico da vida ...
é ... a vida ecoa ... e seu eco retorna apenas a ida, porque o vê, sim a letra vê, se perde no vê do vento – seu irmão gêmeo, ambos fricativos sonoros univitelinos, que se irmanam na distância entre o som que emito e o retorno que tenho, no eco.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

E agora, o que sinto?

Natal, 23/09/2008.

Sinto a realidade, que é sempre mais ou menos do que queremos, mas ainda assim a queremos, real. É isso. Sinto o real, o palpável, o certo ... e o incerto e a incerteza, assim, femininamente indecifrável porque real, leal. Leal às observações da pele, às emoções que emanam de um nãoseioquê de coisas incognoscíveis por si mesmas. Coisas que passam pela cabeça, coisas que coisam as coisas das coisas da gente. Que coisa!
Na idade adulta, quando descobrimos que amamo-nos muito quando meninos e seguimos outras afeições e conservamos no escaninho da alma a recordação de nosso amor antigo e inútil, as coisas são apenas coisas. E as sentimos sem querer entender muito bem o que são, porque indeterminadas pelas sensações que causam, pelas sensações que arrefecem-nas com a brisa e nos deixam sentindo-nos como que invadidos de nós, de nossa realidade e de nossos sonhos infantis esgarçados pelos anos que passamos na vida útil de uma existência inútil.
Apenas estamos ... como se o estar fosse a consolidação de uma eternidade de um dia, o que já basta. Bastaria um minuto, apenas um minuto marcaria ardilosamente retilineamente cada estado loucamente ontológico de um ser adulto que experimentasse esse estar. E estou estando esse estar.
Um estar de definições indefinidas, de desejos escondidos em gestos de carinho e carinhos que gestam desejos ... é isso ... tenho desejos gestantes... fetos de um príncipe-rei ou girinos de um sapo, não sei. Mas gesto-os .... alimento-me dos momentos infinitamente finitos para alimentar não o eu, mas o feto-desejo. E espero, enquanto vejo a solidão acenar, que o feto-girino cresça ... e se transforme para mim. Simples assim.
Que sinto, então? Agora apenas sei.
Amanhã, talvez, sentirei no ventre os chutes do feto-girino crescido,
Depois de amanhã, talvez, ouvirei os gritos de um bebê-anuro,
Depois de depois de amanhã, talvez, seja tempo demais para se discutir agora.
E agora? Sei não ... mas sei que não sei. E isso basta.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Braços sonoros, imagens acústicas e restos de mim.

Natal, 22/09/2008.

O conforto veio em forma de palavras escritas na tela de um celular quebrado. Não importa, quebrado foi o ciclo que se instalara nos interstícios de um eu casado com a solidão. Bastou. Chegou aos olhos, estendeu-se aos lábios e soprou com brisa de mar calmo a alma do eu que parece dar início à separação consensual da solidão. A solidão, então, não fica triste. Recolhe-se ... voltará, por certo, depois ... depois de tudo o que está por vir. Ela, amiga de sempre, entende que seu tempo está acabando .. e não sofre. A solidão não sofre, apenas não deixa sofrer ... tem função utilitária.
Bastou para a manhã um bom dia com beijo, escritos, ambos, beijo e bom dia, em letras celulares. Para a tarde, um boa tarde com beijos, igualmente celulares. Para dar início à noite, letras celulares não seriam suficientes. Palavras, ditas, celularmente deram o tom de uma noite de sorrisos pela metade ... as imagens sonoras não foram, exatamente, imagens de conforto ... desconfortaram, mas deixaram para o amanhã o conforto de ontem, num encontro de pele marcado celularmente. Apagaram-se às 22h30 ... palavras celulares de saudade e lembranças de beijos e cheiros reais deram o tom do conforto ontem sentido na pele, hoje sentidos no celular que confirmam o amanhã de sentir na pele.
Instala-se, na libra, a dualidade geminiana ... no trabalho, brigas, nas brigas, trabalho ... no íntimo, eu singular, eu plural, eu de sis, eu de outros ... outros eus, mas são para amanhã ... eus e outros, amanhãévinteetrês ... são oito dias para o fim do mês ... (na verdade sete, setembro ... mas como o amanhã ainda não é hoje, conta-se-o, portanto, oito mesmo).
Hoje, então sou o eu, apenas. O eu que quer uma amiga justamente uma linda intransitiva amiga nunca ausente ... pelo celular, nos vemos acusticamente, no bar, pessoalmente.
Falamos de trabalho: caralho! Falamos de outras coisas ... caralhos? Também! Mas pouco, porque tínhamos eus para nos preocupar e os falos foram postos de lado ... mas não lado a lado .... de lado, mesmo.
Observo e vejo um olhar perdido. Uma vista que se perde na escuridão de uma indecisão sobre o que é este chega, um momento ... ela tenta tergiversar. Insisto. Quero saber de você ... to aqui, em mim ... ... ... tergiversando ... ... tergiversando ... Reinsisto. Sou incisivo (ou seria invasivo?)
Bem, não quero mais me preocupar com coisas banais, quero sentir a proteção que tenho por direito e ponto. Estou assim. Tiro o foco de meus objetivos para ter foco em mim.
Digoótimo.
Falamos sobre o divã ... isso e aquilo, o momento de se respeitar e deixar os eus em nós nos guiar pelos eusdenósmesmos, assim, juntinho para dar a impressão de que todo o arquipélago que somos é uma ilha ... sonífera ilha, que descansa os olhos, sossega a boca e enche de luz os eusdenósmesmos. Justamenteumalindaintransitivaamiganuncaausente tinha olheiras em torno dos olhos que passaram a ver um mundo antes sentido e agora admitido. Olheiras oriundas de mergulhos em si, mergulhos em outros sis e mergulhos em nada. Mergulhos que se valorizaram apenas por serem mergulhos em mim, no outro e trouxeram a descoberta de que se basta a si. Agora o seu complemento não é complemento, é adjunto adnominal, adverbial, adcorporal, adalmal, adpeleal, adqualquerporra, adporranenhuma, mas ad e junto. Virou intransitiva. Amei!
E amei porque ela está descobrindo que amar é também um verbo intransitivo. Ama-se porque se ama. Ponto. O amado não é complemento, é adjunto. Sorri. (a língua é uma coisa legal, quero ver você descobrir aqui quem é que sorri ... você num acha o sujeito porque tem dois sujeitos aqui na brincadeira, e eu não vou dizer qual dos dois sorri – talvez eu tenha querido dizer que sorriram ambos, e tenha unido no sorri a dúvida para você se matar para descobrir – fiz de propósito)
E o resto? O resto, como os outros, são os restos e só ... porque já conhecemos muitas gentes, gostamos de algumas gentes, mas depois de alguns vocês, os outros são os outros e só... e outros vocês chegarão para provar que os outros que estão no passado serão sempre os outros, o presente é presente, o passado, passado e, enquanto o presente não se torna passado, as gentes do presente relegam à sombra as outras gentes ... até que outras gentes apareçam ... e tornem as gentes de hoje, ontem. E todas as gentes podem, sim, ser amadas e tudo pode acontecer ...

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Nos braços de mim mesmo ...

Natal, 22/09/2008.

Nadei, nadei ... e mergulhei em mim. Em mim personificado no outro, no outro que me dava geminianamente o prazer de estar comigo me sentir eu, como uma ilha cercada de mim por todos os lados.
Lados que sempre vi e sempre senti, mas estavam tão inseridos em mim que não os podia enxergar ou sentir ... senti ... e senti ... senti o prazer de me ver a mi mesmo no outro, e o outro em mim ... sem perguntar os porquês de estar em si, ambos em si ... um si plural, e único, e plural ... uns sis de reticências.
E para que servem as reticências nos sis? Para que o tempo possa invadir os meandros de cada si e tornar o si sis no tempo. No tempo que bate à porta e diz cheguei ... e entra sem pedir licença, porque não precisa.
Não precisa porque vai entrar e vai fazer da ilha um continente, um continente cheio de novidades, de progresso, de dor, de sofrimento e não vai se desculpar.
Mas será que o que
Antes se pensava não era apenas
Ranço do passado que,
Como dizem, está à
Espreita de uma
Loucura, de uma janela para quebrar,
Ou de uma porta entreaberta para invadir? E invadir sem pedir nada, sem falar nada, sem questionar nada... simplesmente uma porta ou uma janela para a alma de um ser que, ilhado, se sente irado e faz amizade com a solidão que também não pede nada ... e não dá nada ... e nada, nada com o tempo que entra e levanta as saias do pudor ... entra .. vento, brisa ... e deixa o ser, ilhado, na frisa ... esperando pela brisa que sopre, de novo, a saia para seu lugar e deixe a ilha se ilhar em si, cercada de sis ...
Naqueles braços os sis se tornaram uma ilha de certezas, de incertezas momentâneas de um prazer de camarões. Sim, de camarões ... de camarões que são saboreados sem as cabeças, sem as peles, sem as entranhas .. camarões que nadam, nadam e são surpreendidos, um dia vinteedoisqualquerdesetembro por uma rede de pescadores gêmeos univitelinos ... iguais na superfície e desiguais na litosfera, que reveste o manto e o protege.
E o manto? Bem ... o manto não é de virgemmaria, nem de madalena ... é simplesmente um manto .... um manto que recobre de vulgaridade, de perversão, a pureza de uma alma de esperança na junção ilha-mar. É isso ... junção ... interjeição .... interrogação ... interrelação ... inter ....
É assim ... nos braços de mim mesmo me torno ilha continental, arquipélago de eus que me invadem e me fazem sentir único. Contradição.
Contradição de nãoquererquerer, de querernãoquerer ... e querer assim mesmo ... e se desilhar ... desilhar de eus e seus e teus e ateus e proteus .... não sou mais o primeiro, o proteus, nem é o primeiro gêmeos que surge ... é outro ... e o outro que, como uma ponte, tira a ilha de sua ilhação.... e a conecta com o continente que é ela mesma ...
A ilha se conecta ... e se sente feliz, e sente a brisa, e olha o retrovisor e vê que a história pode se repetir ... e não está nem aí com isso ... desilha-se para se conectar aos vários eus de si, reintegra-se ... nos braços de si mesma.
É, chega, um momento ....
Pare de sentir-se culpado de sentir-se bem ... pare de sentir-se bem de sentir-se culpado ... esqueça .... viva a ilha em si conectada ao universo a sua volta. Retorne, entorne, esborne ...
E sinta-se você, como já sentiu ... e gostou.
Goste de ser gêmeo do outro ... gêmee-se nos gemidos da alma ... acalente-se de si ... e veja que a vida lhe proporciona muitas libras ... libras de alegria, libras moedas de troca de si. Ponha na balança ... e perceba que os pratos estão regulares ... sorria para si ... sinta a brisa que, de tão forte, retorce o retrovisor que mostra não mais a estrada lá atrás, não mais uma sombra na beira do caminho, mas um rosto que sorri .... um olho que brilha ... e uma vida que abre as portas, quebra as janelas, espatifa os vidros da vidraça e diz “mostre os dentes guardados por esses lábios recobertos de neve ... antes que eles apodreçam” ...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Não quero falar disso.

Natal, 16/09/2008.

Vazio. Não, não quero falar disso. Quero é falar do cheio, da vida e da alegria de estar vivo ao lado da vida que passa. Sim, ao lado. À margem. À margem de uma alegria buscada, encontrada e querida por muitos ... tida por poucos .... e sentida por quase ninguém. Sentir a vida. Seria isso possível?
Ao lado da vida, ou no seu curso, há a despedida, a pedida, a medida, a ferida, a ida ... ida. Sim, ida.
Tudo é não ser, tudo é não estar, é não querer, não sentir e sentir. Sentir que tudo o que se quer se pode ter ... e perder.
Perder para a vida, a vencedora dos jogos mortais que vivemos nela, que incutimos nela, que sentimos nela e nela perdemos. Perdemos os amores, as dores, as cores ... até os cabelos perdem as suas cores para dar lugar ao branco, ao vazio. Vazio que reluz na claridade da não-cor. Sim, branco é não cor. É espaço límpido para se poder fazer o que se quer ... e querer o que fazer.
Faço, então, um traçado de branco sobre os poucos negros que restaram na vida que escolhi. Na vida que vivi e vivo, e viverei o branco, o franco, o tranco ... e sobrevivo.
Sobrevivo aos quereres que quis e aos que não quis, ou quis sem o saber.
Sim, há quereres que não sabemos que queremos, apenas os queremos e temos, sem querer tê-los ... e só sabemos disso quando os seus tentáculos, os tentáculos dos quereres que não queríamos, nos tomam pela mão ... e nos arrastam para a beira do abismo. Chegamos a sua beira, puxados pelos tentáculos, e olhamos, soltamo-nos nos tentáculos dos quereres não queridos e dizemos: chega, um momento.
E observamos ... olhamos a paisagem e voltamos nossas cabeças para trás ... vemo-nos como a um amigo que deixamos para trás, no caminho da vida, no percurso da vida, no curso da vida ... e sentimos que o pulso ainda pulsa.
Expulsamos os tentáculos.
Voltamos para a estrada, olhamos para trás, deixamos o abismo lá atrás. Esquecemo-nos dele. Voltamo-nos para nós mesmos e sentimos a brisa nos dizer que chega de chega, um momento.
O momento chegou, aproveitamos. Chega!
Vamos brincar de ser ilha, e ter conosco a certeza de que há mar à volta, para nadar. Nadar na sua acepção mais corriqueira, dar com os braços na água e brincar de ser peixe ... e nadar ... de clássico, costas, livre e borboleta. Borboleamos no mar .. e o sal da água é o tempero de nossa alegria ... e nos tornamos um churrasco gaúcho.
Deixamos nossa cara vermelha de sangue dar lugar ao bronzeado alcançado pela brisa exalada pelas brasas da churrasqueira e somos desejados como espetos na Vento Aragano. E somos brasas avermelhadas que assam as carnes e as carnes que são assadas. Ubíquos, somos ... ubíquos de nós, em nós. Não mais ilha, arquipélago.
Arquipélago de muitos nós, de vários eus que se consubstanciam em um, e um que se divide em vários para suportar cada um dos nós, nas brigas que temos com os nós que carregamos na vida em curso.
E seu curso, que será? Não sei. Ou sei e não quero saber que sei? Provavelmente...
Tudo é provavelmente ... e tudo é o que queremos pensar que queremos ... e a vida nos quer, vivos.
Vivos estamos.
E olhamos à volta e percebemos que o vazio não existe. O vazio é preenchido com o ar ... e o ar nos traz vento aos pulmões, ventos araganos, que podem ser sentidos e desejados, que têm a força de manter nossas forças. Então, onde anda o vazio? Foi ver o mar e se tornou ar, e o mar o assoprou para torná-lo brisa.
A brisa que sinto na minha cara, levanta meus cabelos e mostra-me, na sombra que faço no solo arenoso, que estou em movimento. Chega um momento em que estamos em movimento.
E este momento é agora.