Sempre que olho para os lados e vejo que, quando você se
foi, nada restou além de pareces
amareladas pelo tempo, tintas que abandonam as paredes, e cores acinzentadas de
bolor que cobrem o branco que antes assistia a nossa união, me pergunto o porquê
de você não estar mais aqui ... e me respondo: porque sempre esteves aqui em
inteirezas: inteirezas de metades suas e de outras metades que arrancavas de
mim ...
Olho para os lados e enxergo o vazio que sai de mim e me
deixa oco, mais vazio, e preenchem os espaços igualmente vazios de esperanças
que – de soslaio - assistem a solidão invadir toda a casa e penetrar na alma de
quem tecla palavras vazias, em teclados vazios, para olhos vazios que vão
passar pelas palavras e escutar um nada que grita no silêncio da desesperança
de poder estar aqui, contigo e com tudo.
Com tudo
Com tudo
Contudo não há nada contigo, nem nada com tudo. Tudo o que
há é você e eu. Eu sem você. Você sem mim. E tudo continua ... continua a ser o
que sempre foi: silêncio barulhento que perfuma os ouvidos; lágrimas secas que
tateiam o olfato; salivas secas que umedecem a visão; odores doces que invadem
a alma e arrancam sorrisos dos dedos que tateiam o infinito.
Tudo continua esperanças de novos desencontros pelo caminho
cujas pedras foram arrancadas pelas enchentes de lágrimas solitárias que
banharam, por inúmeras vezes, as maças do rosto que enrubesciam com o suor do
desejo de estar apenas ali, fazendo nada,
Nada fazendo, mas fazendo tudo que o nada permite e, ainda
assim ... fazendo ... na esperança,
E esperando que nada tivesse acontecido de ruim para aqueles
momentos sabidamente efêmeros e ternamente esperados por anos a fio ... que
chegaram no final do ano, para ficar por poucos anos ... e depois ir embora,
deixando aqui a importância de se ser fiel a um ideal solitário, a um solitário
ideal
Com desejo de partilha, de partilhar, de parte ilhar ...
Ou esperança de não partir, ou partir
Mas sempre par...
Par de ficar lá e cá,
Aqui e ali, esperando os
Nós se desatarem, seja quando for ...
Hoje e amanhã
E depois de amanhã:
Indiferente. Mas não
foi assim que se deu e
Restei-me aqui
Infeliz, mas consciente do que é preciso fazer
Solitário, mas acostumado com o nada que exala apenas de mim
Moroso, e ainda assim
caminhando ... caminhando ...
Ostra a ficar no fundo do mar na esperança de um marinheiro
que a apanhe.
Estar aqui não pode mais você ... mas resta você aqui:
pedaços quebrados de esperanças coladas por lágrimas que rompem os olhos,
inundam as pálpebras e escorrem rosto a fora para encontrar na boca, a saliva.
A saliva do desejo de você, que se amarga – você e a saliva – com as lágrimas
que arranca de olhos que enxergam o nada, o vazio. Vazio que preenche os dias,
que ilumina a alma tenra ... e eterniza a esperança de novos habitantes para os
olhos e, quem sabe, a cor, a ação ... e o coração.
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