segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Muda! Muda? Não, muda!!

Natal, 17/11/2008.

De solidão em solidão, o eu-coração passa a pensar em muda. Muda! Muda? Não, muda! ... que coisa! Uma só palavra, uma só sonoridade, uma só entonação. E, pelo menos três possibilidades de se entender o muda...
A primeira, impossível: muda, verbo conjugado, no imperativo, segundo a ótica de algumas regiões brasileiras. Uma ordem vinda de um ser outro que não o eu, que não o que o eu quer para si, que não o que o eu pode fazer. É algo impraticável, inacessível ... intangível. Mudar, verbo. As pessoas não estão no mundo para mudar, muito menos estão no mundo para receber uma ordem de mudança. Não o fazem. Simples assim! Enquanto verbo, “muda” é um silêncio, uma fonte impraticável de qualquer coisa ... uma abstração. Para entender como esse muda silencia é simples, basta ver como as pessoas se retesam ao perceber no outro qualquer necessidade de mudança: fogem. E com razão! Por quê? Porque a razão da mudança, do muda que silencia, não está no outro, está no eu, que se sente carente de igualdade, de semelhança ... não há outro que o mude. O outro o silencia, apenas. Mudar, verbo, é algo que se faz durante a vida, no decorrer das necessidades dos eus que se sentem tangíveis e intangíveis, côncavos e convexos de si ... ao se sentirem desconfortáveis em si, mudam, sem imperativos, simplesmente deslocam-se para outro canto, para outro qualquercoisa ... mudam para e por si ....
A segunda, triste, é adjetivo: muda. Sem palavras, sem expressão, sem significação fora do silêncio de sua mudez ... é muda, simples: calada. E no seu silêncio consubstancia intangíveis significações para si. Em seu silêncio significa para si e adjetiva a vida em que subsiste. Sim, subsiste! Triste, embora riste aos olhos de todos os outros que vivem no mundo de silêncio imperativo. É a adjetivação da aquiescência ao universo que grita gritos de silêncios eloqüentes, quentes, freqüentes... silêncios que trazem à vida uma voz inaudível ... silêncios que trazem para a dor uma vontade de ser dor audível ... e morre no desejo de ser ouvida. Não há muda que se torne palavra, torna-se silêncio de significados mórbidos ao som de um bolero tocado na esquina da Ribeira ... ao som da dor que silencia as palavras de todos os outros gritos de silêncio ... e silencia ... emudece. Tira do eu-coração que bate no mundo o estampido, o barulho ... e o torna bagulho, fagulho de uma esperança silenciada pelas evidências .... e pelas aparências.
A terceira, vívida, é substantivo: muda. É o galho arrancado de uma roseira que se põe à terra que o alimenta e o torna uma nova roseira, uma nova vida vívida de cores intangíveis tal qual suas pares homônimas de sonoridade. Mas muda! E muda de um mero galho para ser caule de uma nova vida ... de uma nova substantivação da esperança muda que não muda porque insiste em ser mudança .... em ser muda, substantivo concreto. Nesta muda, a vida. A vida que é extraída de um pedaço de outra vida ... é a costela de um Adão vegetal que dá nova vida à sua existência fálica, fática, enfática ... é a nova muda. Muda que se concretiza em vida nova a cada gota de orvalho que beija o solo e, por osmose, transmite nova vida à muda que foi mudada ... pelas mãos de um jardineiro senhor: o destino. Sim, o destino! É ele que percorre a ordem, o silêncio e torna muda todas as mudas silenciadas pelas ordens de outros. Consubstancia-se substantivo e permite uma vida própria, uma significação própria ... uma muda própria, porque amadurecida pela brisa do destino fiel ... cruel, às vezes, mas fiel à sua função primordial associada ao tempo, que sabe passar ... e passa e traz vida nova à muda. Tira-a do silêncio, tira-lhe a subordinação da ordem ... e a presenteia com sua significação própria.
Em todas as mudas, um eu-coração que bate no mundo. Um eu-coração Clarice, um eu-coração que escarra nas bocas que beija, toma um cigarro ... e sabe que o beijo é a véspera do escarro, que o sonho é o prenúncio do pesadelo, que a calma é uma fantasia silenciosa da turbulência ... que sabe que a vida, para ser vivida, não precisa estar envolvida na vida de outra vida, porque entende a vida como única, porque sabe que viver, como amar, é verbo intransitivo ... e ama viver a vida, em silêncio eloqüente. Tudo isso para dizer que o eu-coração que aqui dedilha no teclado palavras silenciosas aos ouvidos, e eloqüentes às mentes prementes, já fez uso de todos os sentidos de muda. E mudou ... mudou para ser livre de quaisquer obrigações que não aquelas necessárias à subsistência ... que mudou para parar de insistir na mudança do outro ... que mudou para dizer ao outro que qualquer mudança que venha a fazer será conseqüência de uma necessidade de mudar de si próprio ... e que não está disposto, este eu-coração, a aquiescer a qualquer ordem, a gritar para quebrar qualquer silêncio, a arrancar qualquer galho para transformar em nova vida ... porque entendeu que a vida impera, a vida silencia ... e a vida muda a perspectiva adolescente de mudar ... este eu-coração é mudo, porque se entende como muda de silêncio imperativo que brota no mundo.

3 comentários:

  1. Adorei esse texto!! Aliás, adoro você em tudo, em todos os seus "muda"! Porque você, realmente, "entende a vida como única, porque sabe que viver, como amar, é verbo intransitivo... e ama viver a vida, em silêncio eloqüente!" Mas, discorco! O "o eu-coração que aqui dedilha no teclado palavras silenciosas aos ouvidos, e eloqüentes às mentes prementes, e que já fez uso de todos os sentidos de muda." não é tão SILÊNCIOSO assim, quanto se vê e se descreve. Talvez, de fato, já mudou..., como diz: "mudou para ser livre de quaisquer obrigações que não aquelas necessárias à subsistência... que mudou para parar de insistir na mudança do outro..." Mas, ainda assim, insisto: esse eu-coração que dedilha aí é muito mais 'gritante' do que 'mudo'! No mínimo, porque precisa quebrar "qualquer silêncio, arrancar qualquer galho para transformar em nova vida... porque entendeu que a vida impera, a vida silencia...!" Este eu-coração aqui, definitivvamente NÃO é mudo - É MUNDO!

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  2. minha vontade era dizer
    que é um texto sem comentários,
    de não necessitar comentar nada.
    mas como dizer isso
    sem dizer alguma coisa?
    foi coisa que não consegui.
    então eu comentei.

    *

    TREVO DE QUATRO FOLHAS

    mudança
    é uma dança muda
    que muda em silêncio

    mudança não tem som
    tem compasso

    mudança dá
    e dando se recebe

    o dar
    na mudança
    é o mudar na dança

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  3. Bicho... que onda.
    Hei, até que vc sabe escrever, vice?
    Vou continuar lendo os outros...
    Vc podeia contar o lance da japonesa... Ia causar mais impacto do que a Janela.
    Vc diz que as pessoas te acham bruto, grosso... Mas ao ler seus textos... A gente vê que vc é uma adolecente (muito lida e viajada, por sinal) apaixonada, com todo respeito.

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Se gostou ... e se não ... me diga ... quero saber o que tocou em você esse tempinho que você passou comigo.