São Paulo, 23/11/2017
Não, não sei o que é saudade.
Sei que tenho em mim sal e idade ... salinidade.
Em mim, o sal que apanhei na vida que vivi comigo mesmo e
com todos os outros que me salgaram a alma, e me deixaram a calma de poder ser
inteiro, corroído pelos cristais salgados que me foram depositando ao logo do
caminho que tem umas pedras, umas perdas ...
Vivo assim, sem vazios ... cheio de uma inteireza que não
me permite estar sem pedaços que não são meus ... estou assim, assim de idade
que me trouxe eu mesmo e me fez completo de pensamentos e vazio de faltas ...
Não tenho faltas ...
Falta-me, sim, um tempo em que festejavam o dia dos meus
anos e me deixavam com bolor nas paredes da alma, com sabor de calmaria
estampada nos olhos vazios de outros tantos e cheio de tantos eus.
Eus desconhecidos.
Reconheço-me assim: sal e idade que perambulam pela vida
encrustados em um corpo que sobrevive à vida amarga de sais. Saí de mim um dia
e voltei, anos depois, com rugas na testa, retesado, recrudescido e resistente
às dores que outros poderiam dar-me. Dou-me eu mesmo a dor salgada que me
trouxe a idade dos anos vividos nu de muitos desejos e desejoso de nus ao me
alcance ... nus salgados para serem sorvidos por minha boca, acariciados pela
minha língua, sentidos pelas papilas gustativas, pelas papilas gostativas.
Fico assim a me perguntar o que é saudade... essa saudade
que corrói mais que sal o coração das gentes que gentam num mundo imaginário em
que se completam no outro. São sempre incompletos de outros e vazios de eus
próprios ... são pedaços de eus que não se juntam e não se fazem inteiros
porque pedaços são.
Não, não tenho outro, nem outros ... sou assim, apenas sal
e idade a penas.